O Templo das Musas

"No fluir do progresso estávamos por esquecer o que as sociedades tradicionais já nos ensinavam como regra, ou seja que indivíduos e sociedades não podem preservar e desenvolver sua identidade senão pela duração e pela memória”

Este trecho citado tirado da obra “Museu, Memória e Esquecimento” de Marcos José Pinheiro, determina a especificidade do fenômeno museal, que além de registrar, preservar e comunicar a memória, permite ao indivíduo e a sociedade desenvolver uma identidade.

Existem tentativas de reinterpretação do passado. Uma tentativa de reescrevê-lo sob outras perspectivas, diferente daquelas que permitiram o seu acontecimento, o que levaria, na verdade, ao seu esquecimento.

O museu traz o passado para o presente. Aquilo que estava tão distante, e, de certa forma, para alguns, difícil de conceber, torna-se parte do presente para aquele que se encontra no museu. É a imagem, a história, a tradição, o passado comunicando-se com a sociedade através do museu.

Técnicamente falando. Do ponto de vista operacional do museu, a técnica que envolve a comunicação da tradição, do passado, da história, da imagem, dos documentos, objetos para a sociedade, abrange a museologia e a museografia.

A museologia compreende a parte teórica. Como exemplo: O Museu Paulista pretende comunicar a História do Brasil pelo viés paulista. Ou seja, contar a história da constituição da nação brasileira do ponto de vista de São Paulo.

Para melhor entender a museologia é preciso ter a seguinte pergunta em mente: Qual o discurso do museu? O que o museu pretende mostrar? Pois por trás das imagens, objetos, documentos, o modo como estão dispostos representam a construção de um discurso. Neste ponto (o modo como estão dispostos os objetos, imagens...) compreende-se a museografia. Trata-se da organização: temática, ou cronológica. A museografia e a museologia estão conectadas. Pode-se dizer, respectivamente, que ambas consistem na parte prática e teórica.

Partimos para os exemplos: O Musée dês Monuments Français tem como especificidade a reunião, catalogação e reunião das obras e monumentos do período medieval francês, em um momento em que a arquitetura e a arte góticaeram consideradas inferiores em relação aos valores estéticos da Antiguidade Greco-romana (paradigma e fonte de modelos no mundo das artes e da cultura francesa. A valorização do gótico serve à exaltação do passado nacional francês, da Idade Média e da monarquia francesa

Este museu traz uma nova concepção de museu, onde os objetos (restos de monumentos medievais e renascentistas) foram dispostos em ordem cronológica. De modo a evocar a história e ressaltar a função comemorativa e memorial do museu, seu criador, o antropólogo Alexandre Lenoir, criou monumentos consagrados a memória de grandes homens remetendo a idéia de Panteão da França. Trata-se da especificidade e singularidade da nação e de seu percurso ao longo do tempo.

Esta lição cronológica de história por meio de monumentos repercutiu na criação de museus posteriores definindo a escolha de objetos por seu valor histórico e rememorativo, portanto com uma relação estreita com o passado, e anunciando a especificidade das coleções dos museus de história, como o Musée de Cluny (em que o valor de monumento histórico triunfa), e viria a ocorrer com o Museu Paulista.

Distinto do Musée dês Monuments Français, o Musée de Cluny promove uma ruptura epistemológica no discurso histórico que define a inovação promovida no período romântico. A maneira como os objetos estão dispostos fundam uma construção integrada de totalidades históricas.

Seguindo esta perspectiva de exposição de antiguidades nacionais e regionais, outros museus são criados, em decorrência, principalmente, da ação incansável das sociedades eruditas. E, além da relação que se estabelece com o universo da história, a característica básica desses museus no século XIX é o seu caráter político, ou seja, a sua capacidade de se moldar aos interesses políticos de legitimação das nações. Destaca-se aqui o interesse pela história nacional que é encontrado nos museus em sua melhor forma de expressão e propaganda, fazendo dos museus templos de exaltação da nação onde cada cidadão podia experimentar o sentimento de pertencer a uma identidade nacional.

Essas duas condições aparecem reunidas no Museu do Louvre e este remetia a algo mais amplo, ou seja, ao que se pode conceber por homem civilizado no século XIX, às elites européias, e ao imperialismo “Nacional” significava aí civilização, valores universais que poderiam ser partilhados por todos.

Partindo para um Museu mais próximo, espacialmente falando. Digo o Museu Paulista. Digo mais. Digo sobre Taunay para compreender mais sobre o Museu Paulista. Durante a gestão de Taunay (1917 a 1945), o Museu Paulista, ou Museu do Ipiranga (como é popularmente conhecido), foi transformado, tanto em seu antigo aspecto como em seus direcionamentos. Próximo da comemoração do centenário da Independência brasileira, em 1922, sua principal tarefa era preparar o monumento do Ipiranga para festas centenárias, porém sua atuação nos 29 anos em que esteve a frente deste museu vai muito, além disso.

A representação da Independência do Brasil não é aspecto principal e aparece como conseqüência lógica do desenrolar da história do país, contada do ponto de vista de São Paulo e do esforço paulista. Taunay dá ao museu um caráter incessante, paulatino, histórico e paulista.

Taunay procurou reunir no museu documentos inédito para a pesquisa da história de São Paulo e do Brasil, além de enriquecer a biblioteca do instituto com uma coleção brasiliana e criar uma nova revista, os Anais do Museu Paulista, na qual seria publicada fontes e trabalhos inéditos de interesse para história nacional e paulista. Procurou, também, mostrar como a tarefa de historiador voltado para o estudo da história do Brasil, do ponto de vista paulista, conduziu-o na organização e redefinição da instituição sobre novas bases.

O museu antes e no início de sua gestão ainda possuía coleções de ciências naturais, das quais, Taunay, após a oficialização da seção de História por parte do governo do estado, insistia na necessidade de transferir estas para outro edifício. Assim o novo diretor do museu comprometeu-se em transformar o monumento do Ipiranga em um museu histórico.

Com a nova gestão, o museu passa a fazer referência básica a um acervo de objetos materiais. A área específica de atuação é a cultura material. Trata-se de uma perspectiva teórica na qual o museu é visto como o lugar em que a cultura material é elaborada, exposta, comunicada e interpretada.

As coleções tem sido um repositório de objetos históricos, coletados ou recebidos segundo uma perspectiva positivista da história, que privilegiava eventos e figuras de exceção e se prestava às funções de evocar e celebrar.

A interação com a sociedade é outra. O seu estudo deve necessariamente conduzir a uma visão crítica do universo político-social.

Taunay, além de diretor, também atuava como especialista, procurando introduzir paulatinamente no acervo histórico do museu os métodos científicos que guiavam a história em sua época, dotando a instituição, não apenas com estatuto ético, como, também epistemológico.

Essa noção ética da história, essencialmente, guiada pela busca e exaltação do exemplar do passado, também esteve presente no museu paulista, sobretudo em seus primórdios.

O diretor Taunay julgava “esdrúxulo” esse imperativo de colecionar apenas documentos referentes à independência do Brasil, pois para ele, a Independência proclamada em solo paulista, é o resultado de um processo histórico iniciado nos primórdios do Brasil colonial pelas primeiras investidas dos habitantes de São Paulo rumo à exploração e à conquista do território nacional. Sendo assim é estabelecido para o museu diretrizes muito mais amplas.

No começo o Museu Paulista assemelhava-se aos musées de province onde reinava a ordem enciclopédica. Logo caminha para a especialização e aos interesses regionais ou locais, entre outros fatores, acarreta profundas transformações no Museu Paulista. Pouco a pouco a história começa a adquirir um estatuto epistemológico, de modo que o museu tornou-se paulatinamente um lugar de estudo e de exposição de uma data vertente da história do Brasil.

Suas publicações mostravam um discurso que estampava seu interesse pelo passado paulista e sua participação na construção e glorificação da história nacional, com um cunho eminentemente paulista.

Em um dos discursos proferidos como orador oficial do IHGSP demonstrou a importância das bandeiras, com toda sua força e simbolismo, para a história nacional narrada pela ótica de São Paulo. Seu discurso espelhava a forma pela qual a história brasileira fora pensada e delineada pelo IHGSP desde o momento em que foi fundado. Ancorado na mesma matriz historicista e organizado nos mesmos padrões internos do IHGB – movido, também por interesses políticos, o IHGSP visava estabelecer a integridade nacional.

No entanto o IHGSP está diretamente ligado a elaboração do nacionalismo paulista, que na longa direção de Taunay sobre o Museu Paulista, criou todos os recursos para que ele se enraizasse definitivamente, tanto na sua obra museográfica quanto na historiográfica, como tema essencial da história do Brasil.

Quanto aos seus direcionamentos metodológicos no campo da história, Taunay se orienta pela Escola Metódica contribuindo para a constituição de uma história positivista (o imperativo documental como verdade sobre o passado). Sendo assim refugiava-se na pesquisa documental, deixando as generalizações e o estabelecimento de fórmulas gerais para os sociólogos. Ao analisar a retórica visual e espacial e o cenário construído por Taunay para as comemorações de 1922 no Museu Paulista, é possível perceber suas orientações teóricas segundo a moderna concepção da história e de seu cuidado em materializar o discurso histórico estruturado de maneira descritiva, linear, evolutiva e episódica, temática, cronológica, solidamente fundamentada em documentos escritos. Os acontecimentos estavam alinhavados numa perspectiva teleológica contando a saga dos paulistas na conquista do território brasileiro, convergindo para a fundação da nação brasileira em solo paulista.

Taunay escreveu muitos artigos falando sobre a falta de elementos iconográficos sobre a história de São Paulo, e que tentou preencher essa carência com séries picturais sobre diversos aspectos da história paulista e brasileira. A importância da iconografia se funda no poder de evocação e celebração da imagem, pois em sua concepção a pintura tinha valor de documento histórico, permitindo compor aspectos como costumes e modos de vida da sociedade do passado. A visualização da história é tido como meio eficaz de formar o imaginário popular, particularmente em momentos de mudança política e social e de redefinição de identidades coletivas, colocando o Museu Paulista em sintonia com os padrões de seu tempo, em que o caráter pedagógico e comemorativo são elementos básicos que definem o papel social do museu e sua utilização política.

O museu era, naquele momento, lugar de difusão do conhecimento histórico, expondo e narrando a história produzida de acordo com os moldes, métodos, temas e concepções da “ciência histórica” daquela época.

Também o Museu Real, Museu Paraense Emílio Goelde, Museu Paranaense, Museu Botânico do Amazonas e o Museu Paulista, todos estes tinham um caráter enciclopédico, fundamentado nas ciências naturais. Em fins do século XIX estes museus tinham em comum a introdução dos estudos antropológicos, arqueológicos e etnográficos que se desenvolviam sob o modelo das ciências naturais. Seus acervos incluíam, coleções etnográficas, zoológicas, botânica, mineralógicas, arqueológicas, de história e numismática. Esses museus são os principais vetores de difusão de teorias raciais sobre o Brasil, pois centralizaram boa parte dos debates da intelectualidade da época, sendo assim as pesquisas antropológicas permitiram o fortalecimento de critérios naturalistas e raciais para entender o homem americano que, como plantas híbridas ou puras, distinguiam raças miscigenadas de puras, sem contar a classificação pelo viés evolutivo, que levava o estabelecimento de diferentes níveis de civilização. As proliferações dessas instituições resultam na consolidação das elites locais e da multiplicação de iniciativas científicas regionais que correspondiam a tentativa do país progredir nos padrões internacionais de cientismo com caráter positivo evolucionista, justificando medidas econômicas e o incentivo à imigração.

Deixando o caráter enciclopédico, a criação do Museu Histórico Nacional em 1920, é considerada um momento significativo para a composição e fixação de um ideário nacional brasileiro. Ligado aos anseios do governo federal de resgatar o passado como constitutivo básico da nacionalidade. O MHN tem caráter de templo da nação, onde estão catalogados os petrechos bélicos e tudo que nos remete a história, ou biografia dos grandes vultos da pátria, pois reconstituía o cenário da vida social que os heróis viveram. Esse gênero de museu deveria ocupar edifícios históricos, característicos da arquitetura civil e religiosa que remontam o passado. Além disso, sua categoria central foi a tradição, buscando, assim a construção da nacionalidade brasileira. A idéia de nação se sobrepunha à de território nacional e se confundia com os grandes feitos e os grandes homens do império. Dessa forma o MHN tendia a restaurar, conservar e legitimar o papel do Império e da nobreza brasileira no processo de formação da nacionalidade.

A exposição do MHN é um culto à saudade e a balada dos heróis, ou seja, a nostalgia do passado e exaltação de figuras exemplares. Esse caráter evocativo preocupava em despertar nos visitantes a lembrança dos acontecimento para a formação da nacionalidade e manter viva memória nacional ligada ao império. Neste museu a concepção moderna da história de tempo contínuo é substituída por um exemplar, ou seja, um homem, ou um acontecimento era associado a um objeto-relíquia com a finalidade de solidificar os laços entre os indivíduos em torno da identidade nacional.

Tratando especificamente da memória. A partir da década de 1960 surge um novo discurso de memória e neste há uma grande preocupação no Ocidente com o passado, com a restauração de sítios históricos e a revitalização de antigos centros urbanos, com a preservação dos monumentos. Assim surgem museus de todos os tipos associado a uma necessidade deu resgate de memória.

Para Choay a valorização do patrimônio histórico pode ser entendido como uma forma de representação da memória coletiva. Porém é possível apreender de outra forma. Os humanistas consolidavam a identidade da cultura ocidental em relação ao tempo a fim de reconhecer a cultura do outro. As gerações românticas, até a segunda metade do século XX, atuaram na afirmação da personalidade cultural ocidental, e a partir desta época passa a prevalecer a valorização do patrimônio histórico e logo depois, a memória coletiva.

Huyssen denomina sua concepção de passado presentes. Para ele o mundo está sendo musealizado no intuito de uma recordação total, trazendo tantos passados para o presente, de acordo com a temporalidade atual, questionando se há algo que não tenha sido experimentado em outros tempos.

Tal questionamento permite as seguintes reflexões reforçam a necessidade da memória: Quais futuros foram desejados no passado? Este futuro ficou esquecido, se ficou, vale apena trazer para as nossas perspectivas atuais? O passado que assombra e que precisa ser discutido a fim de evitar novos acontecimentos no presente e no futuro, como as guerras. Reflexões acerca de uma tentativa de reinterpretação do passado que tentam reescreve-lo sob novas premissas ocasionando o seu esquecimento.

Há também a conscientização de que o homem pode interferir na natureza e, sendo assim, torna-se necessário o armazenamento da memória a fim de perpetuar aquilo que o homem pode aniquilar. São questões com essas que trazem a necessidade da memória.
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