Guerrilha, Revolução e Ideologia na América Latina




Tendo em vista as discussões sobre a esquerda e os movimentos de características revolucionárias, o autor Jorge Castañeda expõe em sua obra “A Utopia Desarmada” uma reconstituição do trajeto das esquerdas e dos projetos com este viés ideológico na América Latina. Sua análise se inicia nos momentos iniciais dos partidos comunistas e socialistas da região, notando nestes características importantes. Para o autor, a ideologia desta esquerda já demonstra nesta etapa inicial caráteres que são “importados”, ideologias estrangeiras e estranhas à realidade latino-americana. Este fato, por conseqüência, não permitiu aos partidos, em sua maioria, angariar as bases, prejudicando sua relevância política já no inicio de suas existências.


Em meados da década de 1930, Castañeda vê o surgimento de um segundo momento nos partidos comunistas da América Latina, que, seguindo as recomendações da Internacional, lançam mão de alianças com outras correntes, formando frentes que oficialmente consistiam na busca de um combate mais efetivo contra o fascismo e o imperialismo, mas, segundo a interpretação do autor, em vias práticas, esta união era na realidade um mecanismo de combate contra o Eixo, no contexto da 2ª Guerra Mundial, deixando o viés anti-imperialista de lado. Com o fim da guerra, a maior parte dos partidos mantiveram o método de coligações. Durante a guerra fria, os partidos, com algumas exceções, já haviam perdido suas poucas bases e tornavam-se, assim, incapazes e indispostos à revolução. Isso se nota na Revolução Cubana, onde a participação do Partido Socialista Popular na luta armada foi muito reduzida. Desta forma, nota-se nos movimentos do período uma predileção pela via pacifica de transformação da realidade, incluindo naqueles, como o caso chileno, em que o projeto de união com representantes de outras ideologias gerou algum resultado prático.


O período “populista” também é estudado pelo autor, sob este mesmo viés. Castañeda nota nestes governos um tom fortemente reformista, destacando a maneira tacanha com que esta modalidade política realizou reformas, as quais não foram muito abrangentes, assegurando, com base na restrição da participação política, uma restrição nas pressões de outros grupos sociais por seus interesses.


Posteriormente, o fim da experiência socialista no leste europeu representou, na visão do autor, mais um duro golpe para as pretensões do ideal revolucionário. A demonstração, na União Soviética e em outras localidades, da possibilidade de reversão das conquistas revolucionárias, desestimulou novas propostas com este objetivo. A queda destes paradigmas foi a causa de grandes transformações no socialismo. Nota, o autor, então, que o exemplo cubano na América Latina se tornou obsoleto.


Neste período mais recente, pode-se ver, portanto, as esquerdas sem a perspectiva de novas utopias, Assim, o argumento toma os movimentos com este tipo de visão política e suas lutas por um viés mais reformista e mesmo as táticas guerrilheiras seguiriam esta lógica.


Isto posto, devemos discutir, através da historiografia, sobre o exemplo cubano, questões pertinentes acerca da formação de um ideário político e sua relação com a luta armada. Um autor que segue neste sentido é Florestan Fernandes, que estuda Cuba e vê no seu exemplo a abertura de um movimento que propõe um novo equilíbrio de poder na América Latina, abrindo um caminho oposto ao da ordem vigente. O autor explica a revolução cubana, desta forma, em dois fatores. O primeiro, correspondente à formulação ideológica, se refere ao nacionalismo cubano em suas especificidades frente aos nacionalismos de outras localidades. Em Cuba, devido ao comprometimento das elites burguesas com os interesses externos, o nacionalismo, de características anti colonialistas e anti imperialistas teria sido forjado de baixo para cima. Isto explica o motivo de a revolução ter caráter socialista, já que não se podia haver modificações levadas a cabo pelas elites, como em outras localidades, marcadas pela defesa do capitalismo interno.


O segundo fator que explica a revolução, segundo Fernandes, é a guerrilha, considerada pelo autor como o “espírito da revolução”. A guerrilha é vista, desta maneira, como um canal permanente de atuação das massas, apoiada na tradição e sustentada pelo nacionalismo popular que, vindo destas populações, era sempre fomentado por suas perspectivas ideológicas.


Outro ponto de extrema importância demonstrado pelo autor é a formação ideológica e a formulação de um projeto político durante a experiência guerrilheira. Para o autor, a guerrilha é o embrião do Estado. Sua evolução, para exercito e posteriormente para Estado, ocorre concomitantemente à formação de seu ideário político. Assim, a experiência guerrilheira foi um fator muito importante para o desenvolvimento da revolução cubana, na maneira com que ela ocorreu.


Hector Saint-Pierre é outro autor que estuda a relação entre esta modalidade de luta e seu uso político. Ele critica a visão de Fernandes, e expõe que a guerrilha deve ser compreendida como tática, e assim, deve ser vista como apolítica. Seu tom político, desta forma, deve ser tomado pelo viés ideológico de seus membros, que precede sua existência e da qual é uma mera ferramenta. Seguindo este pressuposto, o autor conclui que o estudo da guerrilha tomou um espaço demasiado grande nos conhecimentos criados sobre a Revolução Cubana, em detrimento das discussões sobre os vieses intelectuais, políticos e ideológicos.


É importante salientar que, em sua crítica, Saint-Pierre pode ter se equivocado na leitura de Fernandes, ao ignorar uma chave de leitura onde o autor diz que a guerrilha é um reflexo de uma “guerra civil”. Isto significa que podemos tomar a guerrilha como uma articulação derivada de demandas populares, a qual, em sua formação não tinha, ao menos completamente formado, um projeto político suficiente. Deve-se destacar também que o pensamento de Castañeda, pensando a predileção reformista em oposição à via revolucionária, que descaracteriza a guerrilha como movimento político, é embasado nesta interpretação.


Partindo desta base teórica, podemos confrontá-la com o testemunho de Ernesto Che Guevara. No texto “Notas para o estudo da Revolução Cubana” (Em inglês), o guerrilheiro, que participou de todo o processo revolucionário em questão, destaca que “a revolução pode se fazer caso se interprete corretamente a realidade histórica e se utilizam corretamente as forças que intervem a ela, ainda que não se conheça a teoria”. Guevara afirma, assim, que embora não fossem totalmente ignorantes no assunto, os dirigentes do movimento cubano “não eram exatamente teóricos”. O plano político, desta forma, é lido como um plano baseado em um conhecimento básico no marxismo, visto como verdade universal, e aperfeiçoado durante a prática revolucionária. Assim, Guevara discorre sucintamente sobre os momentos em que as ideologias políticas do movimento guerrilheiro se transformaram mais profundamente, e a relação desta mudança com aspectos da realidade deste movimento. Desta forma, em resumo, Guevara afirma que, sobre a ideologia política encontrada para a formulação do estado após a vitória militar, “Para chegar a esta idéia final de nossas metas, se caminhou muito e se mudou bastante. Paralelos às sucessivas mudanças qualitativas ocorridas nas frentes de batalha, correm as mudanças de composição social de nossa guerrilha e também as transformações ideológicas de seus chefes. Porque cada um destes processos, destas mudanças, constitui uma mudança de qualidade na composição, na força e na maturidade revolucionária de nosso exercito”.


A partir destas visões, podemos relativizar o argumento de Castañedas. Inicialmente, podemos pensar as relações entre as atividades de guerrilha e os ideários políticos. Seguindo o argumento de Saint-Pierre, Castañeda propõe a guerrilha como ferramenta desprovida de um viés ideológico. Conforme pudemos notar, entretanto, na fala de Guevara, esta ferramenta propicia o contato com características da sociedade que podem efetivamente transformar idéias pré-concebidas, senão em todo, ao menos no aprimoramento de projetos. Isto põe em cheque outro argumento do autor, que pensa a guerrilha atual como reformista. Assim, as transformações causadas no ambiente interno a estas táticas podem transformá-las. Em outras palavras, pode-se pensar que estes movimentos, como o neozapatista de Chiapas, senão revolucionários, são, ao menos, potencialmente revolucionários. Assim, conclui-se que, com exemplo do movimento cubano, talvez seja possível que a estratégia de luta possa ser um fator influente na definição de seu caráter revolucionário.
Postagem Anterior Próxima Postagem

نموذج الاتصال