Mito, Razão, História e Sociedade - Universos Socioculturais Indígenas


Este texto tem como questão central o mito. A discussão que se desenvolve aqui abrange valores que estão vinculados a este assunto (mito). Tendo como base o texto de Aracy Lopes da Silva que trata, assim como sugere o título do capítulo 13, “Mito, Razão, História e Sociedade: Inter-relações nos Universos Socioculturais Indígenas”, os valores que serão abordados para uma melhor compreensão do objeto de análise. Estes valores são: as formas de abordagens nas escolas, a visão evolucionista sobre o mito, a visão etnológica e antropológica do mito, como compreender o mito, o mito popularmente falando, racionalidade no mito (logos e mithos), e o mito e a história.

Há uma perspectiva evolucionista para identificar os mitos, como por exemplo, as missões evangélicas que visam catequizar os índios e, ao mesmo tempo, tirá-los de uma condição primitiva que se expressa, por exemplo, no mito, que, para os evangelizadores, é magia, ou superstição. Este estágio evolutivo pode ser descrito como a infância, e a maturidade ocorreria com o advento da ciência, história e filosofia. Mas esta não é a única. Nas escolas, o mito indígena chega ao aluno através de livros e são raros os autores que concordam com o pensamento indígena. E neste caso podemos citar a obra Urupês de Monteiro Lobato, pois nela o autor quebra com uma tradição iniciada por José de Alencar, sendo está uma exaltação à mestiçagem do índio com o branco como origem de uma nação forte. Urupês revela uma forte crítica á mistura, como sendo reprodutora do fraco e preguiçoso. Além disto, questiona a religiosidade por ser primitiva, a não existência de política, e outras características mais.

Ao seguir uma noção de psicologia analítica de Carl Gustav Jung, os mitos podem ser entendidos como narrativas que permitem o contato com emoções e imagens simbólicas que constituem o ser humano. Está concepção, quando abordada em sala mostra a igualdade da condição humana. Aqui concebemos uma visão antropológica e etnológica ao apontar diferenças e, simultaneamente, mostrar a condição de igualdade, pois somos todos humanos, mas com comportamento peculiar, ou cultura específica, idioma, cor, religião diferente. Sendo assim a antropologia vai ter o índio como um povo não ocidental, portador e produtor de cultura e linguagem. Esta nova forma de ver o índio, como não ocidental, ocorre devido a forma de organização e expressão do pensamento e das idéias que são pautadas pela ciência, história, filosofia, e se opõe ao mito. Isto ocorre na Grécia Antiga. É o logos (ciência, história, filosofia) se opondo ao mythos (mito).

Popularmente dizendo, o mito é uma lenda, um invento, algo irreal, uma fantasia, uma tentativa precipitada de explicar o que a ciência poderia explicar e comprovar, como a morte, o dilúvio, a origem do mundo. Por outro lado, há estudiosos que investigam a racionalidade do mito. Há aqueles que enxergam no mito uma forma privilegiada de pensar o mundo e expressar suas concepções, ou seja, entendem que através do mito é possível conhecer verdades.

Como compreender então o mito? Uma maneira de ver o mito, assim como os estudiosos o fazem é entender o mito como uma forma de linguagem, um modo diferente de pensar e expressar as idéias. Neste caminho o que o mito pode revelar como verdade? O mito pode revelar uma especificidade ao analisar o modo como foi formulado, expressado e ordenado em suas idéias e imagens de modo a se constituir como discurso, e, concomitantemente, pode revelar o modo de vida e pensar. Pode chegar-se a expressão do comportamento em sociedade, a organização social, porém há casos em que o mito levará o estudioso para um caminho inverso, por exemplo: em que o mito contradiz a organização social.

A racionalidade no mito pode ser representada aqui por um comportamento comum em muitas regiões em que as sociedades indígenas tinham os animais e plantas como mito. Está prática foi interpretada como uma prática religiosa. Os membros do grupo não comiam, ou matavam estas espécies que lhe serviam como referência (totem). A proteção destas espécies naturais tinha por fim garantir a própria sobrevivência. Desta forma se reconhecia uma racionalidade mítica. Levi-Strauss demonstrou que o pensamento produtor de mitos opera com lógica: cria textos e histórias novas a partir de elementos que já existem em outros sistemas de significação através de rearranjos e criando novos sentidos. Sendo assim os signos que estão no mito fazem parte de outros campos da experiência humana e a linguagem mítica passa a ser simbólica, ou seja, os mitos são expressões da condição humana no mundo. Para Claude Levi-Strauss a humanidade é uma só e tem como característica a capacidade compartilhada de operar uma lógica que permite relacionar e dar sentido a tudo, e está lógica é o que permite a comunicação. Neste sentido podemos compreender o mito.

Quanto ao mito e a História. O historiador, primeiramente tem que reconhecer o mito como parte da tradição de um povo, também como memória de experiências passadas, pois identificamos aqui uma forma de compreensão do mito. Sendo assim o mito mantêm com a história uma relação no momento em que é possível o registro de fatos e a sua interpretação, assim como a sua associação ao que já é conhecido. Esta forma de conceber o mito se opõe a visão de sociedade sem história no estudo de sociedades primitivas. Esta descrição reconhece a ausência de sentido, ou seja, não segue fluxo (permanece igual), não têm transformações. Porém, nesta mesma perspectiva, estas mesmas sociedades frias, passam a ter história, e isto ocorre quando em contato com outro (portador de história): o ocidental, ou melhor, o branco.

Devido a este etnocentrismo que impedia a compreensão do mito _e como vimos, não deixa de ser uma abordagem fora do evolucionismo_ foi possível perceber que as culturas humanas desenvolvem variadas lógicas históricas e, assim, passou a valorizar maneiras de pensar, relacionar e viver processos históricos distintos. Aqui o historiador conhece uma nova forma de abordagem e, ao mesmo tempo, se aproxima da antropologia. Partir da idéia de que todos fazem parte da humanidade e que podemos nos comportar de diversas formas, expressando culturas e histórias diferentes, o historiador faz uso da antropologia.


SILVA, Aracy Lopes. A Temática Indígena na Escola. Brasília: Editora Global, 1995. Cáp 13.
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