Futebol Brasileiro: A Origem da Arte

Escudo Ponte Preta - Criado em 1908



De inicio é importante ressaltar, e isso é destacado por muitos autores que trabalham sobre o tema de futebol no Brasil, a escassez de um acervo documental que confirme análises e hipóteses de especialistas no país, principalmente no que se refere aos primeiros trinta anos antes da escolha pela profissionalização do esporte em território nacional, entretanto vale ressaltar o esforço feito pelos historiadores para resgatar o passado desse esporte de origem britânica e que se tornou “arte” para muitos na chegada ao Brasil, isso demonstrado na rápida aclimatação do esporte bretão.

Nos dias de hoje, o que vemos tanto no Brasil quanto no restante do mundo é que o futebol se tornou um esporte popular, muito usado inclusive como meio diplomático, como foi o caso da apresentação da seleção Brasileira em 2004 no Haiti, tentando, através do esporte ajudar uma nação constantemente castigada pela guerra civil a se reerguer, ou ao menos apaziguar por no mínimo noventa minutos as tensões que levavam a destruição daquele país naquele determinado momento. Porém até se popularizar e se tornar, segundo muitos estudiosos, um dos esportes mais praticados no mundo, tanto nas classes altas quanto nas classes de renda baixa da população, não somente no Brasil, mas como no mundo todo, o futebol teve seu inicio marcado pela predominação das classes altas praticando esse esporte, principalmente pelo fato de que o custo para se praticar tal desporto não era de valor acessível para toda a população e isso de inicio dificultou um pouco a expansão do esporte, principalmente no Brasil, onde chegou trazido da Inglaterra por filhos de famílias com alto poder aquisitivo, que tiveram contato com o futebol na ilha britânica, aprenderam suas regras e trouxeram o esporte para território nacional, com maior ênfase nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo que tem maior destaque e relevância quando tratamos sobre o inicio do esporte bretão no Brasil, uma vez que no começo do século a capital federal se fixava na cidade do Rio de Janeiro e a cidade de São Paulo, movida pela economia cafeeira principalmente, caminhava a passos largos rumo ao desenvolvimento que levou a ser uma das mais importantes cidades no país, principalmente pela economia que movimenta no estado.

Alguns historiadores alegam que a chegada de tal esporte no país refletia na tentativa de se espelhar em países do continente europeu, principalmente França e Inglaterra, tentando se assemelhar principalmente quanto a cultura daquelas sociedades. Esse fato é mais bem narrado pela historiadora Lívia Gonçalves Magalhães, em sua obra “Histórias do Futebol”:
“Poucos anos haviam passado desde a proclamação da República em 1889 e o país buscava sua identidade com a nova forma de governo instaurada, procurando inserir-se nos modelos das grandes metrópoles européias. A República queria fazer do Brasil a “Paris dos Trópicos” e procurou reviver a capital francesa em sua arquitetura, nos aspectos culturais e na alta sociedade, tanto que o período ficou conhecido como Belle Époque.” (Magalhães, Lívia Gonçalves, 2010. p 13.)
Ainda com ênfase na idéia de se espelhar culturalmente nos países da Europa, o sociólogo e antropólogo, Anatol Rosenfeld, sita a enorme influência trazida da Europa, não somente no futebol, mas como em vários esportes, alegando em sua obra que no Brasil não havia prática de esporte propriamente dito, de forma organizada como conhecemos nos dias de hoje e que atividades como nadar, velejar, cavalgar, pescar, entre outras atividades semelhantes eram feitas mais como uma forma do que ele chama de “manutenção da vida”, tendo somente com a abertura de clubes de regatas e posteriormente no futebol a prática de esportes de maneira organizada. Rosenfeld deixa claro em seu texto a facilidade com que na América como um todo, era recebido quase tudo que se trazia do continente europeu para o continente americano ao dizer que:
“As grandes “batalhas” para a implantação do esporte já tinham sido travadas na Inglaterra, e o continente americano, então ainda inclinado a receber de braços abertos tudo o que vinha da Europa, pôde colher os frutos.” (Rosenfeld, Anatol, 2007. p 77 e 78.)
Uma vez chegado ao Brasil, tendo sido trazido para muitos historiadores por jovens de famílias ricas que iam desde pequeno estudar no continente europeu e tiveram contato com o esporte lá, o futebol foi predominantemente associado às elites locais, uma vez que poucos no país tinham poder aquisitivo necessário para poder se praticar um recém chegado esporte bretão, que por sua vez, em continente europeu já estava em vias de popularização, sendo praticado pelas várias camadas da sociedade européia, sendo alvo de lazer em fábricas na Inglaterra principalmente, sendo essa teoria exemplificada na obra do historiador José Sérgio Leite Lopes ao citar a diferença do futebol na Inglaterra na mesma época que chegava ao Brasil.
“Se o futebol segue um curso popularizante na Grã – Bretanha com a disputa da taça da Inglaterra em 1872 e com a aceitação de um profissionalismo iniciante no interior das fronteiras nacionais, a internacionalização do futebol, nos seus primórdios, segue a rede de contatos que as relações prévias e espontâneas das elites locais com as elites e instituições de elite inglesas suscitam de forma indireta.” (Lopes, José Leite, 2004. p 125.)
Essa teoria de esporte de elite ganha força com estudos acadêmicos que vão em sua maioria dar à Charles Miller em São Paulo e posteriormente à Oscar Cox no Rio de Janeiro o posto de principais colaboradores e responsáveis não somente pela chegada do esporte ao país, mas também a estruturação do esporte bretão primeiramente em caráter regional, principalmente com a criação dos primeiros clubes e ligas de futebol amador e depois na sua difusão para com o restante do país.

Tanto Miller quanto Cox, após terem experiências com o futebol no exterior, resolveram trazer o esporte para o Brasil, tentando difundi-lo, sendo essa difusão feita principalmente nos colégios como demonstra Rosenfeld em sua análise sobre os primeiros “shoots” em terras brasileiras.
“Em sentido totalmente contrário, no Brasil foram justamente os colégios que muito cedo se tornaram as forjas de futebolistas: em escolas como os colégios militares, o Ginásio Nacional, o Alfredo Gomes, o Abílio, o Anglo-Brasileiro, o futebol era quase uma matéria obrigatória.” (Rosenfeld, Anatol, 2007. p 77.)
Através das escolas a popularização do esporte entre as elites foi rápida, no entanto o jogo datado por muitos historiadores como sendo o primeiro a ser realizado, ocorreu em 1895, tendo sido organizado por Charles Miller na capital paulistana entre funcionários ingleses e brasileiros da São Paulo Railway que contava com, entre outros jogadores, o jovem Charles Miller, contra funcionários da companhia de gás que se fixava na cidade de São Paulo o Gás Team, sendo esse “match” vencido pela equipe da companhia Railway por quatro tentos a dois.

Nas palavras do pesquisador Marcos Guterman é verificado a realidade econômica vivida pelo Brasil ao final do século XIX e inicio do XX que propiciou a entrada de vários esportes vindos da Europa, entre eles estava o futebol vindo da Inglaterra.
“Foi o ciclo da riqueza gerado pelo café que alavancava não só a economia, por meio da industrialização e da entrada de capital externo, como também a vida social, com a entrada de imigrantes e a conseqüente introdução de hábitos e cultura estrangeiros, no meio dos quais estava o “esporte bretão.” (Guterman, 2009, p.14. apud; Magalhães, Lívia Gonçalves, 2010. p 13)
 A chegada do futebol ao Brasil é um tema muito debatido por historiadores alegando que o esporte teria chegado ao país antes mesmo de Charles Miller e Oscar Cox, sendo ensinado por padres que tiveram contato com o esporte na Europa e ao retornarem para o Brasil introduziram o esporte nas escolas como práticas de exercícios físicos e que os primeiros jogos em terras brasileiras foram realizados por marinheiros vindos do continente europeu que estavam de passagem pelo país e praticavam o futebol nos portos brasileiros em momentos de lazer e sem muita organização, no entanto não há de se negar a grande importância e contribuição dada pelos jovens que retornavam da Europa para o Brasil após concluir os estudos, trazendo consigo o futebol, como foi o caso de Oscar Cox no Rio de Janeiro e Charles Miller em São Paulo.

No que diz respeito à data de chegada do futebol em terras brasileiras, muitos vão dizer que se trata de 1894, o ano em que Charles Miller desembarcou em Santos trazendo, em uma das malas uma bagagem um tanto quanto diferente.

“Dentro de uma das malas, havia duas bolas de couro (da marca shoot), uma agulha, uma bomba de ar, dois jogos de uniformes de times ingleses e um livro de regras.” (Freitas, Armando, 2006. p 21.)
Essa cena é descrita por muitos historiadores como a chegada oficial do futebol ao país que anos depois seria intitulado como o país do futebol ou donos do futebol arte. Verdade ou não, pouco se sabe sobre o desembarque de Charles Miller no Brasil, o importante é que este personagem, logo que chegou a sua terra de origem, foi logo tentando introduzir o esporte, principalmente nas escolas da elite paulistana, sendo rapidamente aceito e praticado em São Paulo, principalmente por ser um esporte de fácil entendimento e por possuir poucas regras. Sendo assim o futebol foi tão rapidamente aceito e praticado no estado de São Paulo que logo em 1902, o estado já possuía uma liga e um campeonato local, tendo como participantes de tal liga o São Paulo Athletic Club (que foi fundado em 1888, porém o departamento de futebol seria aberto no inicio do século XX), o Clube Athletico Paulistano, o clube Germânia, o Mackenzie e o clube Internacional, tendo como o primeiro campeão do estado de São Paulo o São Paulo Athletic Club, que em 1911 teria seu departamento de futebol extinto. Posteriormente a estes, em São Paulo, seriam fundados clubes que hoje são tidos como “grandes” no futebol do Brasil, é o caso do Sport Club Corinthians Paulista, da Sociedade Esportiva Palmeiras que iniciou suas atividades como Palestra Itália, do São Paulo Futebol Clube que tem sua origem ligada ao Clube Athletico Paulistano, a Associação Portuguesa de Desportos, sendo esses clubes da capital, porém, como sabemos o futebol no Brasil teve sua expansão de forma muito rápida, não sendo diferente no estado Paulista e assim surgiram clubes no litoral do estado, como é o caso do Santos Futebol Clube e no interior também com nascimento de clubes como a Associação Atlética Ponte Preta, o Guarani Futebol Clube, porém como sabemos o futebol não foi exclusividade do estado de São Paulo, no Rio de Janeiro, na Bahia e no Rio Grande do Sul, também se formaram clubes e ligas de futebol, tendo, no estado da Bahia, criado o segundo campeonato local que se têm noticia no Brasil. No Rio de Janeiro com a chegada de Oscar Cox à cidade, em 1897, começava-se a pensar na criação de clubes de futebol para melhor divulgação bem como maior facilidade na pratica do esporte bretão na capital brasileira. Logo no seu retorno ao Rio de Janeiro Oscar Cox tentava se “infiltrar” nos clubes de cricket da cidade com a proposta de levar praticantes deste nobre esporte para praticarem o recém chegado esporte bretão, tendo amadurecido melhor sua idéia de formar times de futebol na cidade depois de ir a passeio para Londres em 1901, esse jovem vindo da elite carioca, percebeu tamanha importância que os clubes de futebol estavam tendo na Inglaterra, formalizando seu ideal na criação e consolidação, junto com outros colegas, do Fluminense Football Club, sendo esse o primeiro clube da capital brasileira, lembrando que clubes como Clube de Regatas Flamengo, Clube de Regatas Vasco da Gama e Botafogo de Futebol e Regatas já existiam na cidade, no entanto se prestavam a quase que exclusivamente na pratica do remo, que tinha como palco principal de suas disputas a Lagoa Rodrigo de Freitas, somente depois de alguns anos de resistência, principalmente por alguns atletas do remo não considerarem o futebol como um esporte de gênero masculino, é que estes clubes começaram a abrir departamentos de futebol em suas agremiações.

Durante muito tempo o futebol era tido como esporte praticado quase que exclusivamente pelas elites locais e essas elites tentavam de várias maneiras manter o caráter do futebol exclusivamente amador, uma vez que se profissionalizando deixaria de ser um esporte praticado por nobres da elite e passaria a ser um esporte praticado por qualquer pessoa que fosse afiliada a algum clube de futebol profissional, com isso pobres e negros poderiam praticar o esporte sem menores problemas, algo que não agradava aos membros das elites locais que não tinham interesse em compartilhar tal esporte trazido de certa forma por eles mesmos, com membros de classes “inferiores”, no entanto, mesmo sendo amador aos poucos negros e pessoas de origem humilde se infiltravam nos clubes, em muitos casos tendo até que se disfarçar, como foi o caso de negros no fluminense que passavam pó de arroz para poderem jogar sem que os membros da elite percebessem, uma vez que no Rio de Janeiro houve um “racha” na liga carioca, sendo liderado por integrantes de clubes da elite como era o caso do Fluminense, do Botafogo, do América e do Flamengo, que se recusavam a aceitar negros e jogadores pobres em seus times se retirando da liga carioca e formando uma outra liga somente com times da elite carioca. Essa manifestação teve pouca duração uma vez que os jogos de times como o Vasco da Gama, Bangu entre outros de origem humilde, começavam a ter mais público do que os jogos dos clubes de elite da capital, além de ver o Vasco da Gama se sagrando várias vezes campeão estadual com a ajuda de muitos negros e pobres no time.

A discussão entre a escolha entre o amadorismo e o profissionalismo chega ao fim na década de trinta, quando se percebe que muitos jogadores brasileiros começavam a sair do país, muitos deles se naturalizando em países da Europa, para jogarem pelos clubes e seleções européias, além do fato de que muitos negros e pessoas de origem humilde reivindicavam há muito a profissionalização do esporte para que pudessem se dedicar única e exclusivamente ao esporte bretão, sendo para muitos o sustento das famílias. Sendo assim após a profissionalização do futebol no Brasil o esporte que até pouco tempo era desconhecido em terras sul-americanas, se popularizou e se tornou o esporte mais praticado no país e no mundo.

BIBLIOGRAFIA
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NETO, José Moraes dos Santos. O INICIO DE UMA PAIXÃO: A fundação e os primeiros anos da Associação Atlética Ponte Preta. Campinas: Editora Komedi, 2000.
MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Histórias do futebol / Lívia Gonçalves Magalhães. São Paulo: Arquivo Público de Estado, 2010. 192 p.: Il. (Coleção Ensino & Memória, 1).
FREITAS, Armando, 1960- O que é futebol? / Armando Freitas, Silvia Vieira; ilustrações Mariana Newlands. – Rio de Janeiro : Casa da Palavra : COB, 2006. 128p.: Il. – (O que é; 3).
BATALHA, Claudio H. M. , Da SILVA, Fernando Teixeira e FORTES, Alexandre. Cultura de Classes: identidade e diversidade na formação do operariado. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.
ROSSI, Sérgio. História da associação Atlética Ponte Preta, volume 1; os primeiros 35 Anos, Campinas. 1989.

Ferreira T. R.

aluno de história esforçado.

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