Século XIX e o Determinismo Biológico - Justificativas "cientificas" para a escravidão, racismo e distinção racial - A ideologia que motivou Hitler e Wagner– Uma breve história.


determinismo (Dicionário Michaelis UOL)
de.ter.mi.nis.mo 
sm (determinar+ismoFilos Teoria segundo a qual todos os fatos são considerados como consequências necessárias de condições antecedentes. D. cultural: teoria pela qual a conduta individual é modelada pelo tipo de sociedade em que vive. D. psíquico: teoria que afirma que o curso do pensamento e da decisão voluntária é condicionado por certos princípios gerais.


O determinismo biológico no passado serviu como uma maneira de justificar a suposta superioridade genética, de grupos humanos sobre outros, usando a ciência e/ou religião para dar fundamentação “inquestionável” para episódios de eliminação étnica (genocídios) e de gênero e também a dominação e escravização, ele está vinculado à políticas do corpo social, que conseguem permear o meio cientifico, pois este, nunca foi imparcial e serve à objetivos práticos de quem o financia. Dentro deste contexto existem fortes correntes de pensamento ainda hoje, que associam doenças e comportamentos à pré-disposições genéticas, portanto imutáveis. Historicamente este pensamento já causou muita distorção e anomalias no meio social. Uma delas foi o nazismo.


No presente artigo será usada a palavra “raça”, que foi usada no passado para definir o que hoje entendemos por etnias, a própria palavra “raça” já mostra a força de um pensamento segregacionista induzindo a uma ideia vinda das ciências biológicas, ela refere-se ao conceito de várias raças Humanas e abre espaço para a distinção biológica/genética, hoje aceita-se a palavra etnia, que denomina um determinado grupo que compartilha uma cultura e suas características sociais estruturais, dentro desta visão a única “raça” que existe é a Humana(espécie).

A própria distinção e colocação dos termos nos dicionários é problemática vejamos um exemplo.

Dicionario Online Michaelis UOL

raça 
ra.ça 
sf (ital razza e este do lat ratio1 Conjunto dos ascendentes e descendentes de uma mesma família ou de um mesmo povo. 2 Estirpe, geração, origem, casa, brasão. 3 Cada uma das grandes famílias em que se costuma dividir a espécie humana. 4 O tronco comum, onde têm origem as várias classes de animais. 5Grupo de seres caracterizados por qualidades análogas. 6 Categoria, classe ou grupo de pessoas com certas e determinadas qualidades ou predicados. 7Descendente (de qualquer sexo). 8 Os homens em geral; a humanidade. 9 Tipo, casta, classe, espécie, jaez, qualidade, padrão. 10 Boa raça: Cavalo de raça. 11Sociol Conjunto dos indivíduos com determinada combinação de caracteres físicos geneticamente condicionados e transmitidos de geração a geração em condições relativamente estáveis. 12 Greta no casco das bestas. R. amarela: a que se caracteriza pela pele amarela, rosto largo, maxilas salientes, olhos amendoados, cabelos pretos, ásperos e luzidios, nariz largo e achatado, pescoço curto, pouca barba e ângulo facial menos aberto que o da raça branca. R. azeitonada: a que se caracteriza pela pele cor de azeitona, olhos negros, nariz curto, boca grande, cabelos pretos e brilhantes, maxilas salientes e estatura média. R. branca: a que se caracteriza pela pele branca, olhos azuis, castanhos ou pretos, rosto oval, ângulo facial muito aberto, nariz saliente, lábios delgados e róseos, maxilas sem saliência, barba espessa, cabelos finos, lisos ou ondeados, ordinariamente louros ou negros. R. caucásica: V raça branca. R. de víbora: gente de muito má índole.R. etiópica: V raça preta. R. humana: os homens. R. indígena: V raça vermelha. R. malaia: V raça azeitonada. R. mongólica: V raça amarela. R. negra: V raça preta. R. preta: a que se caracteriza pela pele mais ou menos escura, cabelos curtos e muito crespos, nariz achatado e maxilas proeminentes.R. vermelha: raça humana que abrange todos os povos indígenas da América e se caracteriza pela pele avermelhada ou cor de cobre, testa inclinada para trás, cabelos pretos, grossos e lisos, pouca barba, nariz saliente e estatura alta. R. futuras: gerações porvindouras. R. latinas: povos que provêm dos romanos. Ser da raça do diabo: ser de mau gênio; ter maus instintos; ser excessivamente inquieto, impulsivo ou agressivo. Ser de má raça: ser de má índole, ter maus instintos, ser de má qualidade. Ter raça: a) provir de ascendência africana; b) ter linhagem, brasão; c) ter fibra.
etnia 
et.ni.a 
sf (etno+ia1Sociol Mistura de raças caracterizada pela mesma cultura (termo criado para evitar neste caso a palavra raça).

 Podemos perceber que ao definir raça o dicionário lhe descreve como sendo uma palavra usada para definir grupos humanos, traz vários exemplos de divisões entre caucasianos e negros e em seguida poe a mesma palavra para descrever raças de animais e referindo-se etnia ele traz um parênteses. "(termo criado para evitar neste caso a palavra raça)". 



Século XIX – Acensão da teoria evolucionista de Darwin e o fortalecimento do determinismo.

Este século historicamente é marcado pelo final do período colonial e uma ascensão forte da indústria, a dinâmica das relações de trabalho e o ritmo de produção estavam no início de um processo que iria alterar profundamente a sociedade em seu funcionamento, todos os seus setores sofrem a influência desta nova dinâmica. No meio científico surge uma forte influência pragmática do positivismo, resultado da filosofia iluminista, na qual, o ser humano é valorizado no centro das questões filosóficas e são extraídas questões religiosas e metafísicas de dentro do procedimento científico.

Nas antigas colônias, agora nações recém criadas ou em processo de desmembramento de suas metrópoles, a América, a África e outros pontos estratégicos requeriam um domínio geopolítico, existia a necessidade de gerar conhecimento sobre os povos dominados, no entanto, buscava-se um fundamento para justificar a superioridade cultural do povo europeu, a “raça branca” dando suporte para a dominação das demais e transmitindo um nacionalismo muito forte, isto levava a ideia que seria melhor fazer o possível para impor o progresso e a civilização nos moldes europeus.

A forte industrialização e crescimento econômico deste momento, geram dentro do meio científico  e a sociedade mito do determinismo, associando a ideia do progresso material como inerente ao desenvolvimento da natureza humana ao mesmo tempo em que o nacionalismo vem crescendo e penetrando nas hegemonias europeias do período, contribuindo para as teorias racistas que estavam surgindo a serem bem aceitas, dadas sua facilidade em fundamentar toda violência contra os povos subalternos e ou subdesenvolvidos.

O determinismo biológico começa com sua ascensão quando há, o fortalecimento das teorias evolucionistas do século XIX, com Darwin, dentro da discussão acerca da evolução cogita-se que, o desenvolvimento material de uma sociedade acarretava também seu desenvolvimento moral e intelectual, porém, pensava-se na época que existia uma questão biológica envolvida com a capacidade deste desenvolvimento, grupos humanos, material e/ou culturalmente inferiores. Esses grupos passaram a ser vistos como dotados de características biológicas e genéticas que os impediam de progredir nos moldes da sociedade idealizada como civilizada e suas capacidades intelectuais e organizacionais.Associa-se a desigualdade no desenvolvimento cultural de alguns povos à fatores biológicos determinantes, e não mais a fatores ambientais como se acreditava ao longo do século XVIII.

A partir desta logica,surgem eruditos teorizando a respeito, como o Conde de Gobineau, Joseph Arthur(1816-82) com sua obra – “Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas” (1853-5), associando o destino de uma determinada sociedade à sua “composição racial” (TRIGGER, 2004, p109). Gobineau ao fornecer esta obra, ajuda a moldar mentes como a de Richard Wagner e Adolph Hitler que irão usa-la para fundamentar o regime nazista e fornecer suas contribuições ideológicas em obras posteriores, mas há repercussões práticas dentro de governos, a máquina assassina nazista e sua tentativa de purificar e higienizar a “raça” alemã.

O nazismo fez muitas vítimas de muitas nacionalidades, os mais lembrados hoje, são o povo judeu, mas o regime nazista exterminou mais gente, dentre eles mais ou menos 5.6 – 6.1 milhões de judeus, vitimou também seres humanos provenientes de outros grupos étnicos; segue o relato, 6 – 7 milhões de polacos, 3.5 – 6 milhões de civis eslavos, 2.5 – 4 milhões de prisioneiros de guerra (POW) soviéticos, 1 – 1.5 milhões de dissidentes políticos, 200 000 – 800 000 roma e sinti, 200 000 – 300 000 deficientes(inclusive alemães), 10 000 – 25 000 homossexuais, 2 500 – 5 000 Testemunhas de Jeová. (Números extraídos da Wikipédia: Holocausto)


Poligênismo, mais opção de explicação para fundamentaçoões racistas.


Neste contexto parte das teorias é poligênicas, concordam com várias raças humanas e argumentam que teriam sido criadas em lugares diferentes e em épocas diferentes, sendo assim, diferentes em sua gênese.Estas ideias surgem mais ou menos na mesma época durante o século XIX, tem como base o poligênismo, teoria que remonta ao século XII, mas que foi levantada como hipótese e trazida a luz por um bibliotecário calvinista francês em 1655 de maneira cabal (Isaac de laPeyrère), segundo seu mentor, Adão e Éva teriam dado origem somente ao povo judeu, e outros povos teriam tido origens diferentes ao longo do tempo o que de fato deu suporte para em 1774 outro teórico,Edward Long colocar que os europeus, asiáticos, americanos, negros africanos e hotentotes constituíam uma sequência evolutiva gradativa. (TRIGGER, 2004, p109). Há uma lista enorme de teóricos, que construíram estas ideias a partir destes moldes, dentreeles, membros da igreja, médicos e pesquisadores, seguem teorizando e sendo aceitos como fundamentos da dominação e extinção de outros povos, seguem seus nomes;

O médico Samuel Norton (1839) com sua coleção de mais de 3000 crânios de nativos americanos, nos quais, pesquisava sua inteligência buscando determina-la associada diretamente de maneira errônea ao tamanho da caixa craniana em cm³(quanto maior o cérebro, mais inteligente), pregando um poligênismo divino, ele acreditava que os nativos norte americanos tinham sido criados de maneira homogenia por Deus para povoar o novo mundo; o suíço/americano pesquisador Louis Agassis (1807 - 73), o médico do Alabama, JosiahNott (1804 -73), Geoge R Gliddon (1809 - 57), James CowlesPrichard (1786 - 1848). (TRIGGER, 2004, p109).

Todo o prestigio adquirido por tais teorias foram reforçadas pela repercussão do evolucionismo darwinista que trouxe para a ideia da evolução, provas empíricas e desdobramentos teóricos para que ela fossem aceita pela comunidade científica, porém o próprio Darwin forneceu argumentos contra a poligênia, afirmando que os humanos tiveram apenas uma gênese em sua espécie.


Darwin e o mal estar da teoria evolucionista.


“A crença na desigualdade das raças ganhou credibilidade científica em consequência do evolucionismo darwinista.” (TRIGGER, 2004, p110).

Todo trabalho realizado por Darwin para que sua teoria fosse aceita, sua pesquisa de campo na viagem do Beagle, haviam criado a condição necessária para que fosse estabelecida uma base solida para alegações de toda espécie acerca das desigualdades existentes dentro dos vários grupos humanos, embora Darwin fosse contra as ideias do poligênismo e explicasse a evolução cultural como sendo uma extensão natural da evolução biológica, sua fundamentação teórica junto ao romantismo nacionalista do período acabou gerando espaço para os mais diversos desdobramentos teóricos absurdos, seguem exemplos extraídos do livro de Steaven J Gould, citado ao final do artigo como bibliografia.

Em 1851, S.A. Cartwritht um médico norte americano oferecia uma hilária fundamentação “científica” para a escravatura. Ele alegava existirem doenças congênitas entre os negros. A disistesia e drapotomania, a primeira era a descarbonização imperfeita do sangue sofrida pelos negros, ela supostamente deixava-os sonolentos e desmotivados para o trabalho praticando suas tarefas cheios de má vontade e causavam danos aos equipamentos alegando inclusive que ao ser castigados não sentiam dor, o tratamento era estimular atividade física do fígado, lavar o paciente unta-lo em óleo e mandar que fizesse um trabalho pesado abaixo do sol. O segundo era o desejo insano de fugir, tratamento sugerido era trata-los como crianças.



"A guerra civil estava só a alguns passos de distância, mas da mesma forma estava o ano de A Origem das Espécies de Darwin. Subsequentemente argumentos em favor da escravidão, do colonialismo, das diferenças raciais, das estruturas de classes e da discriminação sexual ainda iriam empunhar o estandarte da ciência. (GOULD, 1999, p62).

Bibliografia:

· Trigger, Bruce. Historia do Pensamento Arqueológico. São Paulo: Odysseus, 2004.

· Gould,  Sthephen Jay. A FALSA MEDIDA DO HOMEM, São Paulo: Martins Fontes.
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